sexta-feira, 28 de junho de 2013

Pio Penna Filho comenta o big brother de Barack Obama

Espionagem e Terror

 Pio Penna Filho

Duas das democracias mais consolidadas do mundo vem abusando insistentemente da espionagem indiscriminada em nome da guerra ao terror. Aproveitando-se do fato de que vivemos numa sociedade da informação e do alto grau de conectividade digital dos tempos atuais, Estados Unidos e Inglaterra uniram esforços para construir uma vasta rede de espionagem contra pessoas espalhadas pelo mundo.
Causa espanto o fato de que as denúncias contra tal estado de coisas tenham sido, pelo menos até o presente momento, muito tímidas. Poucos governos até agora protestaram contra essa prática que nos lembra a ação de uma espécie de “big brother” e que até pouco tempo atrás era imediatamente associado a estados totalitários.

EUA espionam o mundo
Não fosse a ação da organização WikiLeaks e de um ou outro funcionário do governo norte-americano suficientemente consciente e corajoso para tornar público a invasão do privado pelas práticas autoritárias dos democratas dos Estados Unidos e da Inglaterra, dificilmente teríamos consciência da extensão da espionagem dos governos desses países.
Tradicionalmente, e com exceção de governos ditatoriais, a espionagem costumava ter endereço certo, ou seja, era dirigida contra determinados governos e organizações consideradas potencialmente perigosas para os interesses deste ou daquele Estado. Não é mais o que se vê. Agora, somos todos suspeitos.
Nossas mensagens de e-mail e conversas telefônicas estão sendo submetidas ao crivo dos agentes/espiões dos Estados Unidos e da Inglaterra, sem o menor pudor. Sociedades espalhadas pelo mundo encontram-se sob vigilância indiscriminada e esses Estados coletam informações permanentemente, sejam elas relacionadas exclusivamente à nossa vida privada, sejam elas associadas a posições políticas.
Algo está muito errado e é preciso reagir. É bom lembrar que o dedo acusatório dessas duas grandes potências até bem pouco tempo atrás era dirigido contra regimes autoritários que agiam da mesma forma.
Esse tipo de prática não costuma terminar bem. A história nos mostra que governos que tentam controlar as suas sociedades enveredam por caminhos sinuosos e, acima de tudo, contrários à prática da boa democracia. De boas intenções, o inferno está cheio, como diz um sábio ditado popular.
Ou reagimos ou sucumbiremos. Não se trata de ficar apenas à espera da reação das sociedades dos dois países espiões. Eles não estão vigiando apenas os seus cidadãos, o que já seria um absurdo. Os seus tentáculos espalharam-se pelo mundo sem fronteiras da sociedade em rede. É preciso dar um basta nisso enquanto ainda é tempo.

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*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Confira um documentário sobre as cotas raciais na UnB


Documentário "Raça Humana" revela bastidores das cotas raciais na UnB








O País da miscigenação se vê com uma questão espinhosa: as cotas raciais nas universidades. Para falar sobre um assunto considerado tabu, o documentário "Raça Humana" ouve alunos -- cotistas e não-cotistas, professores, movimentos organizados e partidos políticos. Aos poucos, questões seculares e mal-resolvidas da história do Brasil ressurgem, tendo como pano de fundo a discussão das cotas. "Raça Humana" foi vencedor da categoria Documentário, na 32ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 2010. Esclarecendo que, todos os diretos autorais pertencem a TV Câmara.
 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Pio Penna aborda a questão da fome na Coreia do Norte

Fome na Coreia do Norte 
Os norte-coreanos estão prestes a reviver um dos seus piores pesadelos dos anos 1990, qual seja: uma nova crise alimentar. O belicoso regime da dinastia dos Kim não consegue nem produzir e nem tampouco comprar alimentos para abastecer a população do país, já por demais sofrida com a quase absoluta falta de libe...rdade.
 
No Brasil pouca gente sabe, mas na segunda metade da década de 1990 a escassez generalizada atingiu de forma mortal aproximadamente um milhão de pessoas (as estatísticas variam muito, indo de seiscentos mil a dois milhões e meio de mortos) Essa gente morreu lentamente, em decorrência da fome, que chegou de forma gradativa.
Relatos dos sobreviventes que conseguiram fugir do país em direção à China e à Coreia do Sul traçam um quadro dramático, no qual as pessoas iam definhando e se transformando em cadáveres vivos, até sucumbirem por inanição. Literalmente, não havia o que comer em várias partes do país, principalmente nas cidades do interior.
A grande fome dos anos 1990 veio na sequência da crise do socialismo, com a extinção da União Soviética e as mudanças no regime chinês, que até então, junto com o desbaratamento dos demais países do bloco socialista, deixou a Coreia do Norte órfã e praticamente isolada do resto do mundo (assim como aconteceu, parcialmente, com Cuba).
O colapso econômico e a disposição belicosa do governo levou a uma crise interna profunda. O desemprego explodiu e a economia do país retrocedeu. Os parcos recursos do Estado foram empregados para manter os privilégios da alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, a máquina militar em funcionamento e o estrito controle da sociedade.

O país entrou num ritmo totalmente descompassado com a modernidade e caminhou em direção ao passado. A maior parte das fábricas foram fechadas e a Coreia do Norte escureceu. Quando se observa uma foto de satélite tirada a noite nota-se, assombrosamente, o contraste da escuridão do país com o brilho de vizinhos imponentes, como a Coreia do Sul, o Japão e a China.
As perspectivas atuais não são nada boas para o povo norte-coreano. Aparentemente passou o temor de uma guerra, mas o espectro da fome está presente, talvez tanto quanto na década de 1990. Portanto, mais uma catástrofe humanitária à vista.

Confira o artigo do professor Mércio P. Gomes

Por que(m) os jovens protestam

Mércio P Gomes
Antropólogo, professor do HCTE-UFRJ
Fotos: Cortesia Katja Schirilò

É evidente que não é (essencialmente) por causa do aumento da passagem de ônibus, nem tampouco contra os pais ou contra as injustiças do país.

Ontem, dia 13 de junho, participei, um dentre algumas dezenas de coroas, da passeata que saiu do Largo da Candelária até a Cinelândia e de lá até a ALERJ e depois pela Presidente Vargas até a Central do Brasil. Participei acompanhando, batendo palmas e observando, em zigue-zague, os milhares de jovens que, auto-conscientes de suas vidas e de suas paixões, marchavam em alegre, mas contida, manifestação a propósito do aumento das passagens de ônibus. No fim da passeata encontrei meu filho de 18 anos, junto com outros colegas, todos em suas primeiras passeatas, já correndo das bombas e balas de borracha da policia. Um deles foi atingido quase no olho, tal qual a jornalista de São Paulo, soube depois.

Em certo momento divaguei que estava na passeata a favor das Diretas Já, em 1984, tal a festiva e distencionada atitude dos manifestantes. Melhor ainda: não havia um político comandando as massas, uma esperança ilusória de mudanças políticas, uma bandeira de fé. Os pequenos partidos políticos de retórica esquerdista estavam por lá, com suas bandeiras e suas tentativas de controlar, mas eram poucos militantes e não comandavam a massa. Todos pareciam saber que estavam tão somente ensaiando para algo que ainda não sabem o quê é e em quê vai dar, mas que almejam alcançar.

 Quase todo mundo tinha menos de 30 anos, estudantes universitários e colegiais. Uns engravatados e umas vestidas de executivas desceram dos seus escritórios para acompanhar, meio embevecidos, alguns um tanto emburrados. Não havia corre-corre, nem empurrões, ninguém perdeu um chinelo no meio da multidão, não se bateu carteira, não rolava bebida, apenas um leve cheiro de erva aqui e ali, quase nenhum momento de azaração. Dois casais se beijavam na boca, sendo um de mulheres. Um único cabeção estorou em frente a um banco e alguns soltavam fraquíssimos foguetes de São João e até as infantis estrelinhas. Já se aproximando da Cinelândia, vi alguém embebendo um chumaço com algum liquido, mas logo constatei que estava tão-somente molhando sua máscara cirúrgica com vinagre. Dizem que para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo.


Caminhavam em grupos de rapazes e moças, certamente colegas, que se abraçavam com outros grupos, de outros colégios ou faculdades, ou conhecidos de redes sociais. Sim, as redes sociais funcionaram no chamamento à passeata.

Tudo parecia improvisado. Os cartazes empunhados por moças e rapazes, alguns com máscaras do farsante, eram de papelão com dizeres em lápis coloridos que mal se enxergava a dez passos de distância. Serviam para os amigos e os fotógrafos documentarem suas ousadias.

Um carro de som se arrastava no meio da multidão puxando as rimas e palavras de ordem. “Se a passagem não baixar, o Rio vai parar”, “Ô, ô, ô, Cabral é ditador”, “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. E o mais esperançoso: “Ô, ô, ô ... o povo acordou”. Em algum momento uma equipe da rede Globo foi encurralada na portaria da Caixa Econômica, e a Globo foi associada, numa rima engraçada, ao seu antigo apoio à ditadura.

Não havia palhaçada, gaiatices, nem palhaços, nem figuras esdrúxulas, como nas passeatas políticas da década de 1980. Nenhuma brincadeira de mau gosto, tampouco. Senti falta das figuras populares, das vestimentas extravagantes, do protesto escrachado; apenas as carrocinhas de cachorro-quente e refrigerante demonstravam que o povão estava presente, a trabalho.

Ao chegar na Cinelândia percebeu-se que a multidão estava compacta e era expressiva, quem sabe umas dez mil pessoas. E não se soube mais o quê fazer, como concluir o acontecimento. Ninguém para fazer um discurso de glória pela manifestação pacífica e orgulhosa, para fazer novos encaminhamentos, para chamar a novos propósitos. Faltou o gozo. O carro de som não podia subir nas calçadas da Praça da Câmara Municipal e virou pela Evaristo da Veiga rumo à ALERJ. Lá deu-se o momento de espetáculo, mas não da glória da passeata, ao subir as escadeiras do Palácio Tiradentes e se agarrar à estátua que adorna a Assembleia Legislativa. Mas nenhuma jovem ousou desfazer-se da blusa e do alto do pedestal empunhar a bandeira da liberdade. Pudor e acanhamento, mas falta muito ainda para a glória ressurgir.

 Até aí a policia olhava de uma distância regulamentar, aceitável para todos, que não denotava provocação. Os manifestantes apenas registravam sua presença em fotos, até deles próprios de costas para o símbolo da repressão. Porém, ao se dirigir pela 1º de Maio e dobrar para a Getúlio Vargas, começou a fuleragem. Sacos de lixo foram chutados e rasgados e um grupo de umas 30 pessoas saiu quebrando algumas vitrines, grafitando muros e destroçando as paradas de ônibus. A polícia se eriçou e a porradaria começou.

Foi quando a TV Globo interrompeu sua malsinada novela de fofocas sobre quem é pai de quem, para mostrar as cenas de vandalismo da multidão e demonstrar sua falta de compostura. E provar que tudo não passa de jovens descomprometidos com a realidade do país, sem razão e sem motivos.

Eis o busílis da questão. Há quem ache que tudo não passa de desventuras fúteis o que os jovens estão fazendo. Os noticiários televisivos nos levam a crer que é isso mesmo. Mas uma pesquisa da DataFolha de hoje mostra que mais da metade da população está a favor das manifestações dos jovens indo às ruas. Por que será?

Tem algo no ar que não pode ser desmerecido por comentários derrisórios de jornalistas de plantão e análises superficiais de sociólogos acadêmicos. Uns acham que é ato inconsequente de jovens mimados, falta do quê fazer; outras, que é gente incapacitada para o diálogo. Por que uma comissão de jovens não dialoga com o prefeito? Aos que os jovens desaforadamente respondem: “Como pode haver um diálogo entre o c... e a p...?”

Não se dialoga com a máquina da modernidade líquida, como poderia dizer Zygmunt Bauman. O diálogo sempre é falso e se dá em condições de poder do mais forte e com propósitos farsantes. A máscara do farsante cai bem a propósito da ironia dos jovens.

O Brasil – e alguém diria, o mundo – parece ter virado uma farsa cheia de mentiras, conversa mole, enganações e espetáculos. O derramamento de dinheiro para a Copa, para as Olimpíadas, se contrasta com as ruas esburacadas, com os estádios mal feitos, com as leis ridiculamente draconianas, com as sempiternas filas de hospitais, com a educação às aparências sem sentido, com o trânsito ruim demais, os trens cheios e demorados, com os ônibus – sim, os ônibus e as passagens – para deixar todo mundo revoltado, doente de frustração e de não saber o quê fazer mais. Quase todo mundo já encheu o saco de tudo isso, mas quase ninguém sabe como dizer, agir e mudar. A indiferença prevalece como auto-defesa: “O que se pode fazer, vai tudo continuar do mesmo jeito”, foi o que ouviu de um homem que olhava o acontecimento.

Esta é uma juventude do falso bem-estar brasileiro. Nasceu bem, cresceu sem inflação galopante e sem salários escorchantes, num tempo em que aos poucos o Brasil foi se paralisando. Cada um por si, que se dá um jeito. O que está aí é o que é.

Mas, por ironia à modernidade líquida, é uma juventude que quer ao menos cuidar de si. Manifesta-se pelo cuidado com amigos. Os grupos se formam naturalmente, por afinidade ou proximidade, e gostam de estar próximos. Cada grupo cuida de si, mas a inveja ou rivalidade grupal, que já foram tão naturais em outros tempos, não prevalece. Para onde derramar esse amor, ou talvez, carinho, se não há como organizar o mundo de outro modo?

Os garotos das passeatas são condenados ipso facto por serem de classe média. Mas a classe média aí está e crescendo, segundo o governo. Aliás, confundindo classe média com consumo de bens, todos querem ser classe média. Em outros tempos os bem-pensantes diziam que a classe média é quem puxa o povão. Bem que esses garotos gostariam de puxá-lo para a ribalta da luta. Mas o povão não vem porque nada lhes é confiável, ainda, muito menos para protestos contra o preço de passagens e promessas de boa educação para todos.

Os que já passaram do meio caminho da vida também estão frustrados e reclamam pelos cantos como que em desafogo. Perderam a vontade de transformar suas vidas, muito menos as injustiças do país Persistem na farsa do “deixa como estar para ver como é que fica”.

Os jovens haviam se acostumado com isso, mas procuram um meio para sair. Defendem índios e quilombolas, o vetusto Museu do Índio, qualquer pequena causa que lhes traga de volta a identidade de ser no mundo. Não sabem para onde vão, mas quem o sabe?

Quando é a próxima passeata?